A representação de si: o retrato da Fotografia Beleza
A casa fotográfica de António Beleza, de 1907, não poderia ser um estúdio qualquer. O seu proprietário tinha já uma tradição assegurada neste campo de uma técnica que se começava a chamar arte com A maiúsculo. António Beleza ocupara por largos anos o estúdio de Emílio Biel na Rua do Almada, então como Royal Foto e, referência importante, fizera na sua nova casa na Rua de Santa Teresa, a poucos passos da grande Fotografia União, uma sala de espera decididamente elegante, para atrair o público feminino.
O tempo político e social não era ameno. Por todo o país, nomeadamente em Lisboa, Coimbra e Porto, o tema de todas as dúvidas e de todas as conversas era a política musculada de João Franco, claramente apoiada pelo rei D. Carlos. No Porto, estudantes e populares tinham provocado arruaças decididas que pareciam abrir caminho à conspiração que, no ano seguinte, abateria D. Carlos e Luís Filipe. O Porto era, como se sabia desde 1891, tendencialmente republicano: no que valia ser republicano então, frequentar o clube no Carmo, assistir a comícios em Antero de Quental e no teatro do Príncipe Real ou atribuir aos filhos o nome de Liberdade como fizera o velho aristocrata Felizardo Lima.
Inconscientemente a Fotografia Beleza era filha de tempos revolucionários, apesar de nascer em tempos de monarquia.
Mas cresceria na ordem republicana com Moreira de Campos e na salazarista com António Lopes Moreira. A sua clientela é, pois, representativa do crescimento da classe média, mas também da permanência da alta burguesia e de uma difícil persistência da aristocracia.
Os tempos, nesta primeira metade do século XX, eram ainda da industrialização possível. A revolução dos transportes era um facto visível, o caminho-de-ferro cobria quase todo o país, faltando apenas decidir um ou outro ramal; no norte pensava-se já em construir o porto comercial de Leixões para rentabilizar o porto de abrigo, entretanto concluído, mas notoriamente insuficiente – o que será um facto nos anos de 1930, canalizando a prosperidade conserveira de Matosinhos e as constantes remessas de vinho do Porto, que então se faziam. O Porto continuava a ter os seus ingleses do comércio do vinho, os seus germânicos concessionários das minas, os seus capitalistas “brasileiros”, industriais, banqueiros ou comerciantes de grosso trato.
Mas agora, já no século XX, não eram apenas estes grupos sociais que tiravam retrato. O preço do retrato baixa, a fotografia também se industrializa e os fotógrafos profissionais ganham novos concorrentes, quer através da fotografia doméstica que as caixas da Kodak tinham lançado, quer através da fotografia instantânea das máquinas automáticas: em 1928, nos armazéns lisboetas Grandela, surge a primeira Photomaton.
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